Pressuposto: Toda forma de morte se liga historicamente a uma forma de vida. As articulações históricas entre formas de morte e de vida – que proponho entendermos como formas de morte-vida – são constitutivas de diferentes mundos. Ademais, essas formas (re)ligam e separam de múltiplas maneiras o mundo dos seres “vivos” do mundo dos seres “mortos”, havendo, assim, tantas concepções de morte-vida quanto são as concepções de mundo.

Matar

No manual publicado pelo Ministério da Saúde em 25 de março de 2020, “Manejo de corpos no contexto do novo coronavírus COVID-19”,[ii] o item 6 instrui familiares e amigas que os velórios e funerais de pacientes confirmadas ou suspeitas não são recomendados e que, se realizados, a urna funerária deve ser mantida fechada. Os corpos são entendidos como possíveis vetores de contaminação e devem ser sinalizados como “COVID-19, agente biológico classe de risco 3” (p.7), isto é, quando o risco de individual de contaminação é alto e o risco para a comunidade, moderado.[iii] Trata-se de procedimentos técnicos de orientação internacional, como nota Andreia Vicente da Silva (2020),[iv] que “impactam diretamente nos rituais de morte”. Ainda no hospital, o isolamento imposto ao enfermo não permite aproximação de outras pessoas, incluindo parentes e amigas, tornando os últimos momentos de vida solitários. Silva (2020) aponta que as pessoas enlutadas “narram enorme tristeza quando se recordam que não puderam se aproximar e tocar os seus parentes quando ainda estavam com vida”. Além disso, rituais de morte-vida constitutivos do mundo de muitas pessoas – incluindo a tanatopraxia, procedimento de preparação do cadáver para o velório ou funeral, voltado à conservação e ao embelezamento que restitua em alguma medida a característica do corpo em vida – não podem ser realizados. A solidão, portanto, permanece depois do diagnóstico médico de morte.

Notemos, porém, que o momento de afastamento na situação limite hospitalar, na fronteira entre vida e morte, tem uma faceta que, antes de excepcional, é uma radicalização do que a condição pandêmica coloca para a relação de afastamento entre os corpos de pessoas vivas não hospitalizadas. Afinal, o corpo, mesmo não contaminado, se apresenta nessa condição como “corpo-vetor” (Lima, 2020).[v] Embora a morte seja um processo constante na relação do corpo com a passagem do tempo – seja na condição pandêmica ou não, seja em um corpo tido como saudável ou não –, a condição pandêmica faz da possibilidade da morte uma marca nítida no modo como os corpos-vetores dos seres humanos se relacionam (ou não) uns com os outros. Isso não deve fazer supor que todos os seres humanos sejam igualados como corpos-vetores; há que se considerar o modo como marcadores de discriminação hierarquizam seres humanos entre si, assim como seres vivos humanos e não humanos – voltarei a isso à frente.

A condição pandêmica evidencia e aprofunda desigualdades: por omissão; por falha de planejamento; por projetos deliberados articulados entre poder público e poder privado; e/ou por condições histórico-estruturais mais amplas. A diferença entre os motivos é, sem dúvida, importante, mas também o é o fato de que, seja por qual ou quais deles for, são as populações historicamente subalternizadas as que são mais expostas à morte: grupos étnicos de povos originários, comunidades quilombolas, trabalhadoras precarizadas, moradoras de favelas, entre outras. A condição pandêmica, nesse sentido, reconfigura, mas não cria padrões seculares de colonialidade do poder e seus marcadores de discriminação de raça/etnia, classe e gênero. Diante disso, a concepção de que se está vivendo um momento “excepcional” ou mesmo uma “guerra” tem um duplo risco: por um lado, pode legitimar que certas mortes sejam consideradas “inevitáveis” ou “efeitos colaterais” desse momento “excepcional”; por outro, pode obliterar o modo como esse momento aprofunda desigualdades estruturantes dos próprios tempos “normais”.

Há um traço da condição atual que pode nos ajudar a entender o modo como a desigualdade é estruturante dos tempos ditos “normais” e como, por certa perspectiva, é a igualdade aquilo que precisamente se quer evitar, aquilo que aterroriza como possibilidade de concretização. Tomemos as imagens de covas rasas e improvisadas, assim como de valas comuns, que se proliferaram nos últimos meses no Brasil e em alguns outros países. Elas afetam o mundo de muitas pessoas por vários motivos, como os que mencionei acima e voltarei a abordar abaixo acerca dos rituais da morte. Nesse momento, no entanto, quero sugerir que essas imagens também chocam pelo medo que provocam diante da eventual concretização da indistinção entre as pessoas enterradas nessas covas ou valas. De fato, o medo da indistinção e o sofrimento acentuado por ele possuem fundamentos distintos de acordo com o mundo que constituem. Mesmo assim, não me parece despropositado indicar que um desses fundamentos é o espectro de certa igualdade que pode ser visto nessa situação.

Para entendermos isso melhor, vale lembrar que o enterro e o sepultamento fazem parte dos rituais de morte e que, longe de comporem um momento que iguala todas as mortes-vidas, são mais uma instância de demarcação de hierarquias materiais e imateriais. Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos, lembrou que o “túmulo monumental ou o jazigo chamado perpétuo ou a simples cova marcada com uma cruz de madeira [… são], como a própria casa, uma expressão ecológica de ocupação ou domínio do espaço pelo homem. O homem morto ainda é, de certo modo, homem social” (Freyre, 1985, p.LIX).[vi] O jazigo e o monumento são expressões de poder, prestígio e riqueza tanto de quem morreu quanto de quem continua vivo, em particular da família. Assim, a distinção entre as moradas de seres humanos antes e depois de sua morte é mais uma instância possível para uma interpretação sobre as mortes-vidas que constituem o mundo por elas(es) habitado.[vii]

A morada da morte reafirma ou prolonga as desigualdades que marcam a vida. Talvez a distinção arquitetônica dessas moradas tenha hoje se reduzido e perdido parte de sua importância. Mesmo assim, o espectro de uma igualdade radical nivelada pelo menor grau de distinção entre os seres humanos – avivado nas imagens recentes de covas rasas e valas comuns – continua a aterrorizar muitas pessoas. Que fique claro, não estou dizendo que as valas comuns e as covas rasas afetam o mundo de certos seres humanos apenas por esse motivo, tampouco que afetem todos os seres humanos por esse motivo. Como eu disse acima, os rituais da morte são cruciais em vários aspectos da elaboração da morte, e isso sempre depende do mundo habitado pelas pessoas (retornarei a isso adiante). Estou apenas sugerindo que um dos motivos que podem estar presentes no terror diante das imagens de covas rasas e valas comuns é o modo como elas tornam visível a possibilidade de que as distinções e desigualdades cultivadas em vida sejam desfeitas nesse prolongamento de vida que é a morte. Mais ameaçadoras se tornam essas imagens – para determinado contingente populacional – se elas derem força a propostas de destinação de leitos do sistema privado ao sistema público de saúde, por exemplo.[viii] Em suma, em sociedades estruturadas pela desigualdade, muitas vezes é a possibilidade de igualdade que aterroriza, especialmente aquelas pessoas mais beneficiadas direta ou indiretamente pelo modo como se estrutura essa desigualdade.[ix] 

Passo agora a outro ângulo de entendimento dos mundos de morte-vida que a condição pandêmica reconfigura, mas não cria. Como dito acima, certas subjetividades historicamente subalternizadas são colocadas em maior exposição à morte na condição pandêmica. Como enfatizam Felipe Milanez e Samuel Vida (2020),[x] não somente a política do governo federal brasileiro é marcada pela negação diante da gravidade da pandemia e pelos obstáculos que erigiu para uma estratégia comum com estados e municípios, mas também as próprias iniciativas dos três níveis de governo se concentram em medidas adequadas principalmente a segmentos brancos de classes média e alta urbanas e rurais. Orientações e medidas como “o uso de álcool em geral, água e sabão, a adesão ao isolamento social, o desenvolvimento de atividades laborais em home office, a suspensão de atividades escolares e de parte dos serviços públicos e atividades econômicas não essenciais”, entre outras, só são plenamente realizáveis por um contingente majoritariamente branco e socioeconomicamente privilegiado. Essas orientações e políticas supostamente universais se mostram, quando entendidas à luz dos marcadores de discriminação historicamente constitutivos do país e da modernidade/colonialidade, fatores de aprofundamento da desigualdade e de maior exposição à privação e à morte.     

Milanez e Vida (2020) também apontam que, no caso dos povos originários, muitas vezes a morte vem acompanhada do desaparecimento da identidade quando, por exemplo, as pessoas são enterradas, “sem consulta ou contra o desejo de seus familiares”, como “pardos”. Isso fez com que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) passasse a fazer sua própria contagem de pessoas mortas e infectadas. As subnotificações desse tipo também levaram a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) a fazer seu próprio boletim epidemiológico. Como lembram Milanez e Vida (2020), estas são instâncias em que o racismo institucional (antinegro e anti-indígena) expresso nas subnotificações das mortes ligadas à pandemia alimenta o genocídio dos povos negros e originários que atravessa a própria formação do Brasil e da modernidade/colonialidade.[xi]

A pandemia de Covid-19, como lembra Manuela Picq (2020)[xii], é a mais recente na série de pandemias que acometeram os povos originários das Américas desde a Invasão. A ameaça constante através dessa série histórica se liga diretamente ao modo como esses povos têm sido integrados ao capitalismo moderno/colonial, muitas vezes à força e não raro ao custo de desaparecimento de suas cosmologias, isto é, de suas formas de morte-vida na interação com a natureza. A defesa e promoção de atividades extrativistas, reconfigurada no governo federal brasileiro atual, é tão antiga e estrutural quanto o próprio sentido da colonização brasileira, parte do processo formativo capitalista global. O célebre trecho de Caio Prado Júnior (1977) permanece atual: “Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras” (Prado Jr, 1977, p.31-2).[xiii]

A colonialidade do poder tem se transformado constantemente ao longo dos mais de cinco séculos desde a Invasão, assim como as pandemias se deram por motivos e com impactos diferentes. Contudo, as continuidades desse “sentido da colonização” moderna/colonial capitalista na região precisam ser igualmente consideradas. O governo brasileiro atual, nesse aspecto, se distancia menos do que se supõe de governos brasileiros anteriores e das iniciativas de outros governos nacionais na região, à direita ou à esquerda (Picq, 2020). Não se trata, claro deve estar, de dizer que tudo se resume a um padrão originário da Invasão, que desde então estaria simplesmente se repetindo. Antes, trata-se de salientar que as continuidades são tão importantes quanto as descontinuidades nos processos formativos das sociedades nacionais e seus imbricamentos com o capitalismo global na modernidade/colonialidade.            

Há ainda uma outra dimensão da morte-vida relativa aos povos originários em condição pandêmica a ser destacada. Acima, foi dito que as recomendações de sepultamento postas na condição atual afetam a possibilidade de rituais da morte fundamentais nos mundos de muitas pessoas. Bruce Albert (2020)[xiv] lembra que, para os Yanomami, “os defuntos devem ser cremados e chorados coletivamente por suas comunidades e as cinzas dos seus ossos conservadas para serem sepultadas ao longo de várias festas coletivas de aliança (reahu)”. Como diz Eliane Brum (2020),[xv] o ritual pode levar meses ou mesmo anos, envolvendo várias aldeias, para que a pessoa morta “possa morrer para si e para a comunidade”. Sem o ritual com as cinzas, “as almas dos mortos voltarão sempre para chamar os vivos durante seus sonhos, causando-lhes uma nostalgia e uma melancolia sem fim”, como diz Albert (2020). Trata-se de algo muito distinto das moradas da morte que separam jazigos perpétuos e monumentos para pessoas abastadas das covas rasas destinadas àquelas subalternizadas.

O imperativo da biossegurança, no caso dos Yanomami, perpetua a nostalgia e a melancolia. Mas a subalternização histórica dessas subjetividades mostrou ainda outra face para três mulheres Yanomami. Eliane Brum (2020) conta que elas foram levadas com seus bebês para um hospital em Boa Vista, Roraima, com suspeita de pneumonia. Lá, as crianças teriam contraído a Covid-19 e morrido. Seus corpos “desapareceram, possivelmente enterrados no cemitério da cidade” (Brum, 2020). O enterro obedece ao imperativo da biossegurança e, no mundo dos brancos, como vimos, tem tido impactos devastadores para as pessoas em seu luto e seus rituais da morte. No mundo dos Yanomami, o enterro é um “horror absoluto”: “Para essas mães, saber que seus filhos estão enterrados no cemitério da cidade é equivalente a uma mulher branca ter que conviver com a ideia de que o corpo de seu filho está jogado e exposto em praça pública”, disse Sílvia Guimarães, da Universidade de Brasília, citada por Eliane Brum (2020).

Não está em questão aqui negar a importância dos protocolos de biossegurança, mas sim chamar a atenção para como sua aplicação é uma instância de aprofundamento do sofrimento e de reprodução de marcadores de discriminação. Ademais, no caso dos Yanomami, como observou Dario Kopenawa, filho de Davi Kopenawa, as explicações vagas sobre os enterros das pessoas mortas foram um “enorme desrespeito com a nossa cultura” (Brum, 2020). Diz ainda:

Queremos saber onde estão e quando poderemos desenterrar os corpos para levá-los para a aldeia, onde nasceram e cresceram, onde seus pais, seus tios, seus primos estão morando, onde a alma das crianças pode ser feliz. Entendemos a necessidade dos protocolos [de biossegurança], mas precisamos ter informação e compreender o que vai acontecer. Precisamos saber quando os corpos serão devolvidos. Queremos saber quanto tempo o vírus sobrevive no corpo. Se os infectologistas nos explicam, a gente entende e pode respeitar. E podemos transmitir essa informação para a comunidade (Dario Kopenawa, citado em Brum, 2020).     

            O mundo dos jazigos, monumentos e covas rasas é diferente do mundo das festas coletivas de aliança; em cada um deles, morte e vida se articulam de formas distintas. Isso faz com que a condição pandêmica seja entendida de maneiras diferentes nesses mundos, ainda que em ambos ela tenha efeitos potencialmente devastadores para seus respectivos rituais de morte, logo também em seus modos de vida. O tipo de contato entre os mundos que a condição pandêmica promove – via protocolos de biossegurança, por exemplo – expõe, da perspectiva dos Yanomami, uma outra instância do encontro ocorrido na Invasão moderna/colonial. No mundo dos brancos, esses protocolos, ao afetarem negativamente o enlutamento de pessoas brancas e não brancas que o habitam, também se estabelecem como mais uma dificuldade para a continuidade de suas vidas.

Ainda, matar

            Até aqui, abordei alguns aspectos de morte-vida para subjetividades que convencionamos chamar de “humanas”. No entanto, a condição pandêmica se apresenta também através da brutalidade diante da morte-vida “não humana”.

Como se sabe, a hipótese da zoonose – a infecção que passaria dos “animais” para os “humanos” – vem sendo tratada como a mais provável explicação da origem dessa variação do coronavírus. Enquadrada no marco de certo racismo orientalista antichinês, essa hipótese tem levado a constantes afirmações de que a condição pandêmica seria fruto do “atraso” chinês, evidenciado pelas práticas alimentares e de mercantilização de “animais” (Lynteris, Keck e Fearnley, 2020).[xvi] Em outros termos, a relação entre “humanos” e “não humanos”, na China, seria “pré-moderna”.

Uma breve digressão. As afirmações racistas e orientalistas que projetam a responsabilidade pela pandemia atual na “China” e em seus hábitos supostamente “atrasados” ou “pré-modernos” de alimentação e mercantilização de mortes-vidas “não humanas”, no caso “animais”, reconfiguram, mas não criam certo eurocentrismo que se constituiu historicamente através das próprias noções de “civilização” e “nação civilizada”. Segundo Nicholas Onuf (2004),[xvii] a China representou um grande desafio para pensadores do Iluminismo europeu como David Hume, Adam Smith e Montesquieu. Para além do contraste com povos “bárbaros” e “não civilizados” das colônias, havia no debate europeu a noção de que o mundo era composto também por “civilizações” antigas. O contraste com estas, portanto, não se deu pela dicotomia bárbaro/civilizado. Reconhecendo que a China era uma “civilização”, diz Onuf (2004), pensadores iluministas apontaram para dois aspectos que a desvalorizariam: por um lado, seu alegado despotismo possibilitava a poucos uma vida luxuosa, relegando a maioria à condição de pobreza; por outro, esse mesmo despotismo corrompia arranjos familiares, já que, enquanto as pessoas pobres sequer conseguiam ter provimento para suas famílias, os homens ricos tinham muitas mulheres e havia a prática de escravidão doméstica.[xviii] Embora se reconhecesse que a China era rica e uma civilização antiga, seu despotismo a condenaria, segundo essa lógica, a uma eterna repetição do mesmo, ou seja, à incapacidade do progresso – este, a marca da “Europa” do Iluminismo. O orientalismo, assim como qualquer sistema de pensamento, se alterou ao longo do tempo, ganhando, no século XX, a dimensão de anticomunismo que é pervasiva no modo como se entende a China a partir do racismo antichinês contemporâneo. Se uma das faces desse orientalismo racista é a construção histórica da concepção eurocêntrica de civilização, uma outra nos leva a pensar na relação entre “humanos” e “não humanos”.

Voltando. A transmissão de doenças entre “humanos” e “não humanos” é condicionada pelos modos de coexistência vigentes. Capitalismo e epidemias, longe de representarem modos de morte-vida “sociais”, de um lado, e “naturais”, de outro, são imbricados de múltiplas maneiras. As epidemias recentes, como nota o Coletivo Chuang (2020)[xix] a partir do estudo de Rob Wallace (Big Farms Make Big Flu), podem ser agrupadas em duas categorias: a primeira se liga à produção agroeconômica; a segunda, às fronteiras agrícolas. No que se refere à primeira, o agronegócio, impulsionado pela concorrência global, é guiado pela busca incessante de produtividade, o que inclui o aumento do tamanho e da densidade populacionais de “animais” domesticados nas fazendas de caráter industrial. Isso facilita a transmissão acelerada de novos patógenos e deprime a resposta imunológica desses “animais” (Coletivo Chuang, 2020, p.26). O ambiente propício a surtos é também aquele em que abates em massa se tornam mais frequentes.

Se a primeira categoria de epidemias se liga aos ambientes industriais agroeconômicos, a segunda se refere à “expansão e [à] extração capitalistas nas áreas ainda não cultivadas, onde vírus anteriormente desconhecidos são colhidos da fauna selvagem e distribuídos ao longo dos circuitos globais do capital” (Coletivo Chuang, 2020, p.45; ver também Wallace et al, 2020).[xx] O aumento da demanda em várias partes do mundo por “animais selvagens” para fins de consumo (incluindo o consumo de carne “exótica”), para uso médico ou para outros usos faz com que as fronteiras capitalistas avancem sobre novas áreas, “alterando ecologias locais e modificando a interação entre o humano e o não humano” (p.45). Como se percebe, as duas categorias de pandemias recentes estão conectadas entre si e com os modos de morte-vida predominantes no capitalismo.

Dito isso, se a hipótese de zoonose na pandemia atual tiver relação com morcegos e pangolins não domesticados, isso não significa de maneira alguma que se trata de uma doença cuja origem possa ser projetada através da concepção racista orientalista a uma China “atrasada” ou “pré-capitalista”. Frédérick Keck (2020),[xxi] que estuda crises sanitárias de origem animal há anos, lembra que essas patologias têm aparecido em zonas que passaram por transformações massivas, como industrialização, desflorestamento, urbanização. Na China, muitos agricultores foram levados à criação de “animais” em busca de uma produção de maior valor agregado, em especial devido à crescente competição com grandes produtores. Estes foram se tornando mais numerosos com as reformas econômicas no país nos anos 1990, que incentivaram o aumento de escala na produção agrícola, e fizeram com que muitos agricultores menores se tornassem subcontratados de conglomerados alimentareis industriais, ao passo que outros se lançaram à criação de “animais selvagens” que poderiam ser vendidos a um preço maior nos mercados locais (Lynteris, Keck e Fearnley, 2020).[xxii] Os circuitos globais de produção, circulação e consumo se ligam à exploração das terras e das mortes-vidas de subjetividades subalternizadas (inclusive “não humanas”), o que é possível, obviamente, por diversas articulações entre agentes públicos e privados, que resultam, entre outras coisas, em (des)regulamentações e em uma ampla gama de atividades – lícitas e ilícitas – que fazem rodar esses circuitos globais.

A condição pandêmica atual reconfigura imbricações históricas: do capitalismo com as epidemias, de “humanos” com “não humanos”, de áreas rurais com áreas urbanas. Multiplicam-se as periferias e os centros.[xxiii] A difusão do coronavírus pelo mundo é ativada e ativa muitos circuitos históricos. Como apontou Philippe Descola (Truong, 2020),[xxiv] a pandemia transborda singularidades das sociedades nacionais e condensa características do próprio sistema dominante, a saber “a degradação e o encolhimento de meios [milieux] pouco antropizados devido à sua exploração por criação extensiva, agricultura industrial, colonização interna e extração de minerais e de energias fósseis”. Esse sistema opera por uma lógica que Descola chama de “naturalista”, baseada em uma concepção de mundo que separa vidas “humanas” das vidas “não humanas”, e de acordo com a qual a “natureza” é entendida como “objeto de pesquisa científica, recurso ilimitado e reservatório de símbolos” (Descola, em Truong, 2020)[xxv]. A exploração de mortes-vidas “não humanas” – em certas modalidades de extrativismo, caça, abate, confinamento, transporte, comercialização – se articula com cadeias globais de produção, circulação e consumo e constitui um mundo específico. Essa articulação opera através de marcadores de discriminação de raça/etnia, classe e gênero entre os “humanos”, como já foi dito acima, e entre estes e os “não humanos”, fazendo com que diferentes mortes-vidas se submetam a uma lógica capitalista – no termo de Descola, naturalista – inseparável de um excepcionalismo humano que transforma a vida da “natureza” em objeto a ser conhecido, domado e explorado; e a vida “animal”, em artefatos de consumo alimentício industrializado ou em alvo de matança generalizada, seja por abate, seja por medo “humano”.[xxvi]

Debilitar

A discussão que propus até o momento teve o objetivo de indicar alguns elos entre vida e morte que a condição pandêmica reconfigura, mas não cria. Gostaria, agora, de abordar um outro aspecto destacado nos últimos meses – e que talvez se situe entre vida e morte, ou se coloque como um terceiro pilar das relações de poder. As cenas de colapso ou quase colapso dos sistemas de saúde em várias partes do mundo, inclusive em países tidos como “desenvolvidos”, como Itália, Espanha e Estados Unidos, têm suscitado inúmeros questionamentos acerca da alegada falta de preparo desses sistemas, evidenciada, por exemplo, na falta de leitos hospitalares e de equipamentos para o atendimento de pacientes e para a proteção das equipes de saúde e das pessoas consideradas “trabalhadoras essenciais”.

A disputa internacional pelos equipamentos made in China não somente é atravessada por práticas comerciais interestatais no mínimo questionáveis, mas também escancara alguns aspectos fundamentais do funcionamento dos circuitos globais do capital. Em uma de suas pontas, está a capacidade chinesa de produção industrial dos equipamentos, tornada possível por vários fatores, como os subsídios governamentais, a determinação de governos locais para que hospitais locais comprem de produtores domésticos, a limitação de produtos que podem ser importados, entre outros (Bradsher, 2020).[xxvii] Além de produtora, a China também é uma das maiores consumidoras desses produtos. Já Wuhan, conhecida por suas indústrias ligadas ao setor de construção do país, sendo assim fundamental para os planos chineses de investimento em infraestrutura e construção de imóveis (Coletivo Chuang, 2020, p.15-21), é também onde se situam fornecedores diretos de 51000 empresas pelo mundo, além de fornecedores indiretos de ao menos 5 milhões de empresas, segundo relatório de Dun&Bradstreet (2020).[xxviii] Isso que nos leva a outras pontas do circuito.

A ênfase toyotista na manufatura enxuta e na produção just in time das últimas décadas é fator crucial para a aceleração tanto da circulação dos produtos quanto do contágio pandêmico atual. Essa ênfase, fruto de decisões articuladas entre agentes públicos e privados em favor da transnacionalização das cadeias de produção, se orienta, entre outras razões, pela busca por menores custos de remuneração do trabalho e por maior lucro. Essa lógica levou empresas como 3M, Honeywell e Kimberley-Clark a transferirem sua produção de equipamentos médicos para a China e outros países de menor renda (Moody, 2020).[xxix]             

Se, por um lado, a maior extensão das cadeias globais de valor torna possível uma maior extração de lucro por parte de corporações transnacionais, por outro lado, torna mais frágil a linha de abastecimento. Bloqueio de estradas, atuação de “piratas” em águas abertas, controles alfandegários e ações organizadas ou não de trabalhadoras(es) se tornam, dessa maneira, elementos tão vitais quanto potencialmente mortais para a logística global (Cowen, 2014)[xxx]. Não surpreende que essas cadeias globais de valor venham sendo crescentemente securitizadas por governos e corporações. A demanda por velocidade de produção e circulação de bens – essencial para o lucro das corporações e para a satisfação de um tipo de consumo ávido pela entrega imediata das compras – requer o emprego dos meios necessários para conter, reprimir ou mesmo aniquilar potenciais ou atuais forças de interrupção dos circuitos globais, sejam essas forças “naturais” ou “humanas”. No capitalismo global, o jogo logístico entre vida e morte tem em sua própria debilidade uma fonte a um só tempo de lucro e daquilo que mais o ameaça.  Em outros termos, a debilitação é estrutural à operação do capitalismo.

Seguindo nessa lógica, podemos dizer que o colapso ou quase colapso de sistemas de saúde em vários países do mundo traz à tona uma outra face dessa debilitação e, portanto, também não deve ser visto simplesmente como falha de planejamento (embora isso ocorra), e sim como resultado do funcionamento “normal” dos circuitos indicados antes. A difusão do coronavírus e seu impacto sobre os sistemas de saúde somente pode ser entendida se nos atentarmos para a imbricação entre epidemiologia e economia política. Segundo um dado da Associação Hospitalar dos Estados Unidos, mencionado por Mike Davis (2020, p.8),[xxxi] o número de leitos hospitalares no país caiu 39% entre 1981 e 1999, medida ligada à meta de se aumentar o lucro através do aumento da taxa de ocupação dos leitos, o que gera menor capacidade absorção de demanda no caso de urgências como a da condição pandêmica atual. Alain Bihr (2020, p.26),[xxxii] por sua vez, lembra que as equipes hospitalares francesas vêm chamando a atenção para as “políticas de estrangulamento financeiro” às quais o hospital público é submetido. Um sistema, diz Bihr (2020, p.26), “deliberadamente dilapidado”, em benefício da rede privada de saúde. Menciono Estados Unidos e França visto que são dois países “desenvolvidos” que com frequência são contrastados em termos de suas formas de estado-sociedade, em particular no que diz respeito à prestação de serviços públicos, mas vale notar que a debilitação desses serviços nas últimas décadas ocorreu em vários outros lugares (Navarro, 2020).[xxxiii]     

No Brasil, a precarização dos serviços públicos ganhou contornos ainda mais evidentes quando da aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 (chamada “PEC do Teto dos Gastos”), que estabelece que os gastos públicos só aumentarão nos próximos 20 anos para fins de reposição da inflação. Vale notar, no entanto, que a defasagem dos gastos sociais não teve início com essa Emenda, sendo praticamente coetânea à própria Constituição de 1988 (Dantas, 2020).[xxxiv] Soma-se a ela – ou mesmo a legitima – o fato de que o Sistema Único de Saúde (SUS) passa há décadas por um processo de deslegitimação social, o que o torna mais vulnerável a políticas que o debilitam e que faz com que mais pessoas busquem planos privados, como alertou João Nunes em entrevista a João Paulo Charleaux (Charleaux, 2020).[xxxv] Assim, fortalece-se uma dicotomia entre serviços públicos que seriam ineficientes e serviços privados que seriam eficientes. A debilitação dos primeiros alavanca o lucro dos segundos (Dantas, 2020). (Está em aberto se a condição pandêmica atual, que trouxe a importância do SUS novamente ao primeiro plano para uma larga parcela da sociedade, fará com que o processo combinado de deslegitimação e de sub ou desfinanciamento – dois dos pilares de sua debilitação – seja revertido).           

Não estou desconsiderando importantes diferenças entre os países mencionados, e sim evidenciando certos aspectos em comum. Os cortes de gastos públicos – em nome da “austeridade” – obedece a uma lógica de endividamento. Não se trata aqui somente de endividamentos pessoais ou estatais decorrentes, por exemplo, de tomadas de empréstimo em instituições financeiras – embora isso seja, sem dúvida, um traço relevante. Ou melhor, não se trata apenas da identificação de quem (indivíduos, empresas, estados) contraiu ou não uma dívida específica. Mesmo porque, como nota Mauricio Lazzarato (2011, p.12),[xxxvi] “[a]través da dívida pública, toda a sociedade é endividada, o que não impede, ao contrário exacerba, ‘as desigualdades’”. O ponto é que o diagnóstico de endividamento e a solução preconizada da austeridade comprometem a prestação de serviços públicos, em benefício de empresas privadas e em detrimento desproporcional de subjetividades historicamente subalternizadas. (Re)Produz-se, assim, uma debilidade estrutural que, conectada à debilidade dos circuitos globais do capitalismo mencionada acima, faz com que a rede pública de saúde não esteja preparada para lidar com a demanda tanto em tempos “normais” quanto em tempos “excepcionais”, o que prejudica de maneira desproporcional quem dela mais depende, em especial nos países em que a prestação do serviço não é universalizada.     

A debilitação estrutural está conectada, sem dúvida, a diferentes modalidades de morte – no caso dos serviços de saúde, podemos mencionar as mortes por falta de leitos hospitalares, por falta de equipamentos (a pacientes e a equipes de saúde), por falta de tratamentos adequados, entre outros fatores. Contudo, creio ser importante destacar a debilitação como um pilar distinto, tendo em vista que nem sempre ela se consuma na morte. Para deixar mais claro esse ponto, vou me apropriar livremente da discussão conduzida por Jasbir Puar (2017)[xxxvii], a partir do estudo das táticas do estado de Israel em relação à Palestina. Segundo Puar (2017), as Forças de Defesa de Israel têm sistematicamente atirado com o objetivo de mutilar, e não de matar. Dessa forma, cada vez mais pessoas na Palestina passam a ter deficiência permanente e a população como um todo é submetida a uma “deliberada debilitação” (Puar, 2017, p.x) para fins de controle.

Com isso, Puar (2017), em diálogo com os conceitos de necropolítica, de Achille Mbembe (2016),[xxxviii] e biopolítica, de Michel Foucault (2008),[xxxix] quer salientar que as relações de poder que fazem morrer (necropolítica) e fazem viver (biopolítica) coexistem com aquelas que fazem debilitar. Vale lembrar que Mbembe (2016), ao elaborar a relação entre necropolítica e biopolítica, a remeteu à experiência colonial. A escravidão foi, para ele, uma das primeiras experimentações biopolíticas – isto é, da política ligada ao biopoder, entendido como a prática que separa “as pessoas que devem viver e as que devem morrer” (p.128). E a colônia, por sua vez, um dos primeiros encontros entre “massacre e burocracia” (p.132), tendo em vista que representa “o lugar em que a soberania consiste fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei (ab legibus solutus) e no qual tipicamente a ‘paz’ assume a face de uma ‘guerra sem fim’” (p.132), que subjuga “a vida ao poder da morte”, ou seja, exerce uma “necropolítica” (p.146).

O que quero sugerir é que a debilitação se conecta historicamente à necropolítica e à biopolítica. Debilitar é uma prática “endêmica, ao invés de epidêmica ou excepcional” (Puar, 2017, p.xvii), que produz subjetividades precarizadas através da operação interseccional de marcadores de discriminação. Vale recordar, ainda, que essa prática é parte dos circuitos globais do capitalismo indicados anteriormente e que, para entendê-la, é fundamental destrinchar as temporalidades e espacialidades que fazem a condição pandêmica atual se cruzar com as reconfigurações do capitalismo nas últimas décadas e com a formação da modernidade/colonialidade capitalista global. 

Desaparecer      

Até aqui, sugeri pensarmos a condição pandêmica não apenas pelas suas especificidades ou pelo seu caráter “excepcional”, mas também a partir de perspectivas históricas mais amplas, que nos remetem tanto às transformações da economia política das últimas décadas quanto a um padrão de poder moderno/colonial. Busquei conduzir a discussão enfatizando como modalidades de morte se ligam a modalidades de vida e de debilitação. No que se segue, faço um último movimento, ao propor uma outra dimensão das relações de poder que a condição pandêmica reconfigura, mas não cria.

Que o número de mortes e infecções ligadas à condição pandêmica seja maior do que o registrado pelos dados oficiais das diferentes esferas governamentais, das organizações internacionais e dos institutos de pesquisa, não há dúvida. Afinal, são muitas as subnotificações. Há um tipo de subnotificação que se poderia considerar inevitável em uma situação como a atual, mesmo nos locais que fizeram testagem em massa. Mas há também um tipo de subnotificação derivado da precarização dos mecanismos de registro, de testagem e dos serviços públicos de saúde prestados às populações, algo que antecede à condição pandêmica.

Esse segundo tipo, por sua vez, é separado por uma linha tênue, ou mesmo não demarcável, de outros dois. Por um lado, a abordagem que certos governos e agentes públicos, articulados a interesses de agentes privados, decide adotar diante da pandemia tem relação direta com o modo como se busca produzir, negligenciar e/ou omitir dados sobre a mesma. Por outro lado, essa abordagem também precisa ser vista à luz de condições histórico-estruturais de subalternização de certos contingentes populacionais. A combinação desses tipos de subnotificação compõe um quadro de mortes e de desaparecimento.

Diante do acúmulo de números e do risco de indiferença em relação a eles, Gustavo Henrique Dionisio (2020) nos recorda do desaparecimento forçado durante da ditadura.[xl] Segundo a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado, promulgada em 2016 pelo governo brasileiro, “desaparecimento forçado” é “

a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei.[xli]

Segundo Dionisio (2020), o impacto da condição pandêmica sobre os rituais de morte deixa muitas pessoas “em situação análoga a essa herança maldita do período militar, uma verdadeira tática que condena os vivos a um luto impossível e à consequente subjugação melancólica que, neste caso, é forçada pelo vírus e imposta oficialmente pelo poder central em sua altíssima cota de negligência e de denegação intencional da realidade”.[xlii] A atenção às implicações para o sofrimento psíquico do desaparecimento forçado nas ditaduras civis-militares na América do Sul – que eram parte do jogo global da Guerra Fria – pode ajudar a compreender as dificuldades ou impossibilidades do luto para muitas pessoas na condição pandêmica atual, sempre levando em consideração que os rituais da morte e a vivência do luto não se dissociam das formas de vida que constituem os diferentes mundos habitados, como foi sugerido anteriormente.

A menção à ditadura argentina é quase inescapável quando se aponta a prática do desaparecimento forçado, sendo emblemático o que disse o ditador Jorge Rafael Videla em 1979 sobre as pessoas submetidas a essa prática pelo regime: “Nem morto, nem vivo, está desaparecido” (Gatti, 2017, p.16).[xliii] Em outros termos, nem fazer viver (prática biopolítica), nem fazer morrer (prática necropolítica), nem fazer debilitar, trata-se de fazer desaparecer

A partir da experiência argentina, essa noção foi mobilizada de inúmeras maneiras, chegando a ser institucionalizada internacionalmente na Convenção citada acima. Ao mesmo tempo, suas ressignificações possibilitaram novas interpretações sobre práticas históricas que sucederam, mas também que antecederam a ditadura argentina, incluindo algumas que ocorreram e têm ocorrido em regimes ditos “democráticos”, com maior ou menor semelhança seja ao fato originário, seja ao tipificado pela Convenção.[xliv] Dessas ressignificações, quero destacar uma em específico, o que Gatti (2017) chamou de “desaparecido social”. Ela remete à condição de pessoas tanto nas fronteiras entre países quanto em fronteiras internas aos países criadas, por exemplo, por centros de detenção de imigrantes, por guetos, pelo encarceramento em massa e por outras formas de territorialidades precarizadas. Essa condição não se encaixa na que está nitidamente tipificada no direito internacional, nem recebe a mesma atenção devotada a casos em torno dos quais se estabelecem disputas para sua categorização como “desaparecimento forçado”.    

Voltando ao Brasil, sabe-se que a redemocratização no Brasil não significou o fim do desaparecimento forçado (e das práticas de tortura) por parte das forças do estado (Rodrigues, 2020).[xlv] Ademais, persiste em larga medida a impunidade dos agentes do estado – em relação tanto aos atos da ditadura quanto aos atos do período “democrático” –, o que estabelece uma situação em que desaparecem de cena tanto o desaparecido quanto a pessoa que fez desaparecer, como se o ato fosse, a um só tempo, apagado e também impossível de ser esquecido ou elaborado por familiares e amigas.[xlvi] O negacionismo da ditadura se combina hoje, na Presidência da República, com o negacionismo da pandemia, com implicações perversas não apenas pelas mortes acumuladas no país, mas também pelo modo como essa combinação se liga a práticas de desaparecimento: via subnotificação e via aniquilação identitária, o que fica mais evidente em relação aos rituais de morte de povos originários, como foi dito acima.

Fazer desaparecer remete a um processo de invisibilização que poderíamos aproximar daquilo que Achille Mbeme (2013)[xlvii] chamou de “devir-negro do mundo”. Segundo Mbembe (2013), vive-se hoje uma época de intensa burocratização do mundo em termos empresariais e na qual a financeirização se multiplica por uma “série infinita de dívidas estruturalmente insolventes” (p.13). Se, outrora, segue Mbembe, “o drama do sujeito era o de ser explorado pelo capital, hoje a tragédia para a multidão é a de não mais poder ser explorada de todo” (p.13), isto é, de se tornar uma humanidade supérflua, inútil ao capital, abandonada – ou, como quero propor, forçada ao desaparecimento. Seguindo na aproximação entre Gatti (2017) e Mbembe (2013), a condição pandêmica nos conduz a uma crítica da modernidade/colonialidade, visto que “os riscos sistêmicos aos quais somente os escravos negros foram expostos quando do primeiro capitalismo constituem agora, se não a norma, ao menos o quinhão de todas as humanidades subalternas” (Mbembe, 2013, p.14). Tem-se, assim, uma conjunção entre o “devir-negro do mundo” (p.17), isto é, a “universalização tendencial da condição negra [nègre]”, e o “aparecimento de práticas imperiais inéditas” (p.15).

A superfluidade da humanidade é coetânea, por um lado, à transformação de parcelas mais numerosas das vidas “humanas” em subjetividades coisificadas e animalizadas, ou seja, concebidas como formas de vida que o excepcionalismo humano moderno/colonial hierarquiza como inferiores ontologicamente. Por outro lado, esse mesmo excepcionalismo opera através dos circuitos do capitalismo global como uma máquina de fazer desaparecer. Se, em perspectiva ampla da história da morte-vida no planeta Terra, ocorreram inúmeras grandes extinções, portanto massivos desaparecimentos, a atual “era dos desaparecimentos” (Grove, 2018)[xlviii] apresenta taxa acelerada de extinção, assim como um escopo global dos seus impactos em vidas “humanas” e “não humanas”.

A condição pandêmica – com seus protocolos de biossegurança, suas medidas de distanciamento social e sua demanda por serviços de saúde – reconfigura, mas não cria o encontro da burocracia com o massacre ligado à colonialidade de poder. As imbricações entre escravidão, racialização, genderização e formação do capitalismo têm se reconfigurado através múltiplos desaparecimentos: nos navios de pessoas escravizadas à força em diversas partes do continente africano; na escravização e conversão forçada de povos originários; no sentido extrativista da colonização de terras; mais recentemente, na repressão civil-militar em regimes ditatoriais e “democráticos”; no encarceramento em massa em situação sanitária fatal nos presídios; na subnotificação de pessoas assassinadas por ambos os regimes; e de pessoas levadas à morte pelo aprofundamento da desigualdade na condição pandêmica.

Essas instâncias de reconfiguração da colonialidade do poder têm ocorrido historicamente através de práticas que fazem morrer, debilitar e desaparecer formas de viver e de morrer de “humanos” e “não humanos”, com isso também múltiplas formas de habitar diferentes mundos.        


[i] Parte das ideias aqui expostas não teria me ocorrido não fossem as conversas com Anna Flynn, Daniel Aragão, Renata Nagamine, Paula Sandrin, Lara Selis, Paulo Chamon e Manuela Viana.

[ii] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manejo de corpos no contexto do novo coronavírus COVID-19. Versão 1. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/25/manejo-corpos-coronavirus-versao1-25mar20-rev5.pdf>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[iii] Como consta em MINISTÉRIO DA SAÚDE. Classificação de Risco dos Agentes Biológicos. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006, que é um documento sobre ações relacionadas à biossegurança. Disponível em: <http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/manuais/classificacaoderiscodosagentesbiologicos.pdf>. Último acesso em 08 de julho de 2020.

[iv] SILVA, Andreia Vicente da. Velórios em tempos de COVID-19. Boletim Ciências Sociais, n.25, 2020. Disponível em: <http://anpocs.org/index.php/publicacoes-sp-2056165036/boletim-cientistas-sociais/2339-boletim-n-25-cientistas-sociais-e-o-coronavirus>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[v] LIMA, Daniela. Corpo-vetor e corpo-utópico. Publicado no site da N-1 Edições, 2020. Disponível em: <https://n-1edicoes.org/067>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[vi] Jazigos e Covas Rasas chegou a ser anunciado por Freyre como o quarto ensaio da tetralogia, composta ainda por Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Ordem e Progresso. Para informações sobre a escrita deste possível ensaio, ver Aragão (2011) e Valadares (2018). Diferentes concepções de morte na história do “ocidente” desde a Idade Média foram estudadas em ARIÈS, Philippe. Essais sur l’histoire de la mort en Occident: du Moyen Âge à nos jours. Paris: Éditions de Seuil, 1975. 

[vii] Freyre teria inclusive dito que, como o quarto ensaio, passaria da interpretação do Brasil através da vida, feita nos três anteriores, para a interpretação do Brasil através da morte (Valadares, 2018). Ariès (1975) traz ensaios sobre a história da morte desde a chamada “Idade Média” em países ocidentais.

[viii] A disparidade na ocupação de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) quando compara com o sistema privado foi tema da reportagem: MUNIZ, Bianca e FONSECA, Bruno. Enquanto leitos de UTI do SUS chegam ao limite, há vagas nos hospitais privados. Agência Pública, 21 de maio de 2020. Disponível em: <https://apublica.org/2020/05/enquanto-leitos-de-uti-do-sus-chegam-ao-limite-ha-vagas-nos-hospitais-privados/>. Último acesso em 08 de julho de 2020. Sobre isso, ver também DANTAS, André Vianna. Coronavírus, o pedagogo da catástrofe: lições sobre o SUS e a relação entre público e privado. Trabalho, Educação e Saúde, vol. 18, n. 3, 2020. Disponível em: <https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/638/819> Último acesso em 14 de julho de 2020. 

[ix] Lembro-me vagamente de ter ouvido Roberto DaMatta, em uma palestra, dizendo que o problema do brasileiro nunca foi a desigualdade, e sim a igualdade. Seria só “do brasileiro” ou seria, mais amplamente, da condição moderna/colonial – capitalista, sem dúvida?

[x] MILANEZ, Felipe e VIDA, Samuel. Pandemia, racismo e genocídio indígena e negro no Brasil: coronavírus e a política da morte. Publicado no site da N-1 Edições, 2020. Disponível em: <https://n-1edicoes.org/096>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xi] Pinho (PINHO, Osmundo. A Morte Negra e a Antropologia. AntropoLÓGICAS Epidêmicas, vol.6, a.2, 2020. Disponível em: https://www.antropologicas-epidemicas.com.br/post/v6a2-a-morte-negra-e-a-antropologia. Último acesso em 21 de setembro de 2020) historiciza a “morte negra” no Brasil e lembra as assimetrias entre os procedimentos de luto, funerários e de tratamento de corpos mortos dependendo da posição de subjetividade no regime de poder escravocrata.

[xii] PICQ, Manuela. Covid-19 e outras pandemias: extrativismo e genocídio indígena na Abya Yala. Revista Rosa, série 2, n. 1, 20 de maio de 2020. Disponível em: <http://revistarosa.com/1/covid19-e-outras-epidemias>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xiii] PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1977.

[xiv] ALBERT, Bruce. Yanomami: mortos sem sepultura. Publicado no site da N-1 Edições, 2020. Disponível em: <https://n-1edicoes.org/027>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xv] BRUM, Eliane. Mães Yanomami imploram pelos corpos de seus bebês. El País, 24 de junho de 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-24/maes-yanomami-imploram-pelos-corpos-de-seus-bebes.html>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xvi] LYNTERIS, Christos; KECK, Frédérick; e FEARNLEY, Lyle. “Coronavirus: pourquoi fermer les marchés aux animaux en Chine serait une très mauvaise idée”. The Conversation, fevereiro de 2020. Disponível em: <https://theconversation.com/coronavirus-pourquoi-fermer-les-marches-aux-animaux-en-chine-serait-une-tres-mauvaise-idee-130960>. Último acesso em 10 de julho de 2020. 

[xvii] ONUF, Nicholas. Eurocentrism and civilization. Journal of the History of International Law, vol. 6, p. 37-42, 2004.

[xviii] Vale notar, a condenação da escravização não se dava pelo horror da prática em si, afinal a escravização de povos “bárbaros” e “não civilizados” era legitimada, e viria a ser inclusive intensificada no século XIX, por exemplo em Cuba, Brasil e Estados Unidos (MARQUESE, Rafael e SALLES, Ricardo (orgs.). Escravidão e capitalismo histórico no século XIX: Cuba, Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016). O horror era a escravização doméstica – intracivilizacional, digamos.

[xix] COLETIVO CHUANG. Contágio social: coronavírus e a luta de classes microbiológica na China. São Paulo: Veneta, 2020.

[xx] WALLACE, Rob et al. COVID-19 and the circuits of capital. Monthly Review, 01 de maio de 2020. Disponível em: <https://monthlyreview.org/2020/05/01/covid-19-and-circuits-of-capital/>. Último acesso em 10 de julho de 2020.

[xxi] KECK, Frédérick. Une mémoire des épidémies pour imaginer les crise futures. iD4D, 16 de junho de 2020. Disponível em: <https://ideas4development.org/memoire-epidemies-imaginer-crises-futures/> . Último acesso em 10 de julho de 2020.  

[xxii] LYNTERIS, Christos; KECK, Frédérick; e FEARNLEY, Lyle. Coronavirus : pourquoi fermer les marchés aux animaux en Chine serait une très mauvaise idée. The Conversation, 03 de fevereiro de 2020. Disponível em: <https://theconversation.com/coronavirus-pourquoi-fermer-les-marches-aux-animaux-en-chine-serait-une-tres-mauvaise-idee-130960>. Último acesso em 10 de julho de 2020.

[xxiii] Nesse ponto, concordo em parte com a afirmação do Coletivo Chuang de que “o capitalismo já é global e totalizante” (p.46) e concordo inteiramente que a ideia de “atraso” precisa ser profundamente problematizada. Contudo, que decorre disso, a meu ver, a inadequação do vocabulário centro/periferia; ao contrário, ele me parece ainda mais relevante para a interpretação de como os circuitos globais operam por marcadores de discriminação ligados à proliferação de centros e periferias. 

[xxiv] TRUONG, Nicolas. Philippe Descola: “Nous sommes devenus des virus pour la Planète”. Le Monde, 20 de maio de 2020. Disponível em: <https://www.lemonde.fr/idees/article/2020/05/20/philippe-descola-nous-sommes-devenus-des-virus-pour-la-planete_6040207_3232.html> e republicado em <https://mediascitoyens-diois.info/2020/05/philippe-descola-nous-sommes-devenus-des-virus-pour-la-planete/>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xxv] Ver também LECOMPTE, Francis. Philippe Descola: “Il faut repenser les rapports entre humains et non-humains”. CNRS Le Journal, 03 de junho de 2020. Disponível em: <https://lejournal.cnrs.fr/articles/philippe-descola-il-faut-repenser-les-rapports-entre-humains-et-non-humains>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xxvi] O medo e a noção de excepcionalismo humano contribuem para o entendimento dos relatos de matança em massa de morcegos em várias partes do mundo (BBC BRASIL. O ‘álibi científico’ que pode inocentar os morcegos da pandemia de coronavírus. 23 de junho de 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-53150838>. Último acesso em 10 de julho de 2020). O excepcionalismo humano e sua relação com a morte-vida “não humana” também pode ser entendido na relação com as “plantas”, mas não vou abordar isso aqui. Cabe destacar que as noções de “animal”, “planta” e “humano” são amiúde utilizadas de maneiras ontologicamente homogeneizantes, como se sob cada uma dessas categorizações toda a irredutível diferença pudesse ser subsumida a uma identidade. A violência metafísica e os circuitos do capital na modernidade/colonialidade são inseparáveis.      

[xxvii] BRADSHER, Keith. China dominates medical supplies, in this outbreak and the next. The New York Times, 05 de julho de 2020. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2020/07/05/business/china-medical-supplies.html>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xxviii] DUN&BRADSTREET. Business impact of the coronavirus. Business and supply chains analysis due to the coronavirus outbreak. Special Briefing, 2020. Disponível em: <https://www.dnb.com/content/dam/english/economic-and-industry-insight/DNB_Business_Impact_of_the_Coronavirus_US.pdf>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xxix] MOODY, Kim. How “just in time” capitalism spread COVID-19. Spectre Journal, 08 de abril de 2020. Disponível em: <https://spectrejournal.com/how-just-in-time-capitalism-spread-covid-19/>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xxx] COWEN, Deborah. The Deadly Life of Logistics. Mapping Violence in Global Trade. Minneapolis e Londres: University of Minnesota Press, 2014.

[xxxi] DAVIS, Mike. A crise do coronavírus é um monstro alimentado pelo capitalismo. In: DAVIS, Mike et al. Coronavírus e a luta de classes. Brasil: Editora Terra Sem Amos, 2020.

[xxxii] BIHR, Alain. França: pela socialização do aparato de saúde. In: DAVIS, Mike et al. Coronavírus e a luta de classes. Brasil: Editora Terra Sem Amos, 2020.

[xxxiii] Navarro (2020) faz um panorama mais amplo das respostas à pandemia em diferentes países. Ver NAVARRO, Vicente. The consequences of neoliberalism in the current pandemic. International Journal of Health Services, vol. 50, n. 3, p.271-275,2020. 

[xxxiv] DANTAS, André Vianna. Coronavírus, o pedagogo da catástrofe: lições sobre o SUS e a relação entre público e privado. Trabalho, Educação e Saúde, vol. 18, n. 3, 2020. Disponível em: <https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/638/819> Último acesso em 14 de julho de 2020.Mathias (2018) conta uma breve história da saúde no Brasil no século XX antes do SUS. Ver MATHIAS, Maíra. Antes do SUS: como se (des)organizava a saúde no Brasil sob a ditadura. Site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 03 de abril de 2020. Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/antes-do-sus>. Último acesso em 14 de julho de 2020.

[xxxv] CHARLEAUX, João Paulo. O que é e como funcionar o SUS britânico. Nexo, 14 de abril de 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/14/O-que-%C3%A9-e-como-funciona-o-SUS-brit%C3%A2nico>. Último acesso em 15 de julho de 2020.

[xxxvi] LAZZARATO, Maurizio. La fabrique de l’homme endetté: essai sur la condition néolibéral. Paris: Editora Amsterdam, 2011

[xxxvii] PUAR, Jasbir K. The right to maim: debility, capacity, disability. Durham: Duke University Press, 2017.

[xxxviii] MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, 2016.

[xxxix] FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

[xl] DIONISIO, Gustavo Henrique. Imagens de pandemia: trauma, luto, arte. Revista Cult, 08 de julho de 2020. Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/imagens-de-pandemia-trauma-luto-arte/?fbclid=IwAR2dwvYz5k2MtWu2B7gux_cuxdA6r0-sbd6bR6HjpvJUYfbiGcmyPIr0i5Q>. Último acesso em 14 de julho de 2020.

[xli] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto n.8.767, de 11 de maio de 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8767.htm>. Último acesso em 14 de julho de 2020.

[xlii] No episódio de 01 de maio de 2020 do programa Greg News, chamado “Subnotificação”, a relação das práticas de desaparecimento de corpos durante a ditadura civil-militar no Brasil com o modo como o governo federal atual contribui para a subnotificação de mortes também foi feita. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WqiFIdDABuc>. Último acesso em 14 de julho de 2020. Ver, em especial, a partir do minuto 22:29

[xliii] GATTI, Gabriel. Prolegómeno: para um concepto científico de desaparición. In: GATTI, Gabriel (org.). Desapariciones: usos locales, circulaciones globales. Temas para el diálogo y el debate. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, Universidad de los Andes, 2017.   

[xliv] Os muitos usos da categoria são mapeados por Gatti (2017).

[xlv] RODRIGUES, Simone. Reflection on dissapearance of people and Covid-19. Road, 10 de junho de 2020. Disponível em: <https://road.hypotheses.org/899>. Último acesso em 16 de julho de 2020. 

[xlvi] Para outras considerações sobre o desparecimento forçado na ditadura civil-militar e seus efeitos sociais, psíquicos e políticos, ver ENDO, Paulo Cesar. Sonhar o desaparecimento forçado de pessoas: impossibilidade de presença e perenidade de ausência como efeito do legado da ditadura civil-militar no Brasil. Psicologia USP, vol. 27, n. 1, p. 8-15, 2016.  

[xlvii] MBEMBE, Achille. Critique de la raison nègre. Paris: La Découverte, 2013.

[xlviii] GROVE, Jairus Victor. The Geopolitics of Extinction: from the Anthropocene to the Eurocene. In: MACCARTHY, Daniel R. Technology and World Politics: an introduction. Nova York: Routledge, 2018. 


Victor Coutinho Lage é Doutor em Relações Internacionais pelo IRI/PUC-Rio, com doutorado-sanduíche na Universidade de Victoria (UVic, Canadá). Atua como professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/UFBA) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (UFBA). Atualmente é também vice-coordenador (2019-2021) da Área de Temática de Teorias de Relações Internacionais da ABRI e coordena o grupo de estudos “Interpretações do Brasil”, na UFBA. Contato: victorclage@gmail.com Currículo Lattes