Foto de The Humantra, disponível em: https://www.pexels.com/pt-br/foto/preto-e-branco-p-b-cruzamento-travessia-13516203/. Acesso em 07 de maio de 2024.
Estudar a Bósnia e Herzegovina (BiH) tendo como pano de fundo os conflitos da década de 1990 significa deparar-se com alguma frequência com duas definições desse Estado. Uma que afirma que a BiH é formada por três nações constitutivas ou grupos nacionais/étnicos, e que a organização e administração desse espaço deve dar-se no sentido de reconhecer e representar esses grupos. E outra que também afirma que a BiH é formada por grupos étnico-nacionais diversos, mas o pertencimento a esses grupos é um dos vários elementos que constituem a identidade do sujeito, apontando assim para a pluralidade de tradições locais em um espaço em que uma cidadania baseada no cidadão genérico não teria problema em se desenvolver. Nicolas Moll entende esse segundo ponto como “uma narrativa de uma memória que dá continuidade à tradição antifascista do período comunista”[i] (2013, p. 3, tradução minha). Podemos considerá-lo também como uma narrativa de resistência à política de nacionalidades expressada na primeira definição, que foi condizente com os planos de guerra e de paz correspondentes a cada um dos projetos nacionais em disputa na BiH ainda hoje.
Viver em Sarajevo (assim como em Mostar, como demonstra Summa em seu livro, ou em Brčko, como pude também testemunhar) implica ser informado por essa tradição plural. Com orgulho, muitos dizem que são bósnios[ii] e que defenderam sua cidade e seu país durante a guerra, pela manutenção da convivência, do pluralismo e de uma tradição secular. Sarajevanos são, portanto, além de sérvios, croatas, bosníacos, também bósnios, iugoslavos e outros – auto-identificações que não encontram respaldo nem na Constituição/Anexo 4 do Acordo de Dayton, nem em um Estado dividido em entidades e grupos étnico-nacionais definidos.
Este reivindicado pluralismo, porém, facilmente se desmantela quando se cruza a fronteira entre entidades[iii], e todo este discurso é visto como retórica bosníaca/muçulmana, não só pela manutenção dos bosníacos no poder (já que formam o grupo majoritário), mas em prol de uma BiH una e avessa à Republika Srpska (RS), algo que também é afirmado constantemente na mesma Sarajevo.
No dia 9 de julho de 2016, por exemplo, por ocasião das cerimônias do aniversário do massacre/genocídio ocorrido em Srebrenica em julho de 1995, uma instalação enorme em frente ao shopping center BBI, no centro de Sarajevo, trazia o mapa da RS como uma grande vala comum e uma placa com os dizeres: “Bem-vindos à Republika Srpska”, em sérvio e em inglês[iv]. A instalação foi construída pela associação civil “Grupo anti-Dayton”, que de fato prega a extinção da Republika Srpska e a unificação da BiH, e certamente contou com o aval do governo em Sarajevo e da administração do shopping para ocupar esse espaço. Após criticar a instalação e especialmente a auto-representação da cidade como “multiétnica”, ao dizer que a Republika Srpska é mais multiétnica do que um dia já foi Sarajevo, o jornalista Vuk Bačanović[v] foi demitido da emissora pública de rádio e televisão FTV (Televisão da Federação, Federacija televizija) e recebeu ameaças de morte (Cf. BLAGIĆ, 2016).
Trago esse excerto[vi] para mostrar um pouco das controvérsias acerca das diferenças/fronteiras na BiH e como elas são construídas e praticadas (ou não) no espaço público – e é sob esse parâmetro que discuto aqui o trabalho de Renata Summa (2021). Em seu livro, a autora está interessada em pensar não tanto como as fronteiras são construídas, mas como elas são deslocadas/alocadas e (des)marcadas no fluxo da vida cotidiana. Desse modo, ela observa outras ordens de diferenciação que apontam para a polissemia das fronteiras das diferenças para além das étnico-nacionais. Para tanto, Summa admite o que tomo a liberdade em traduzir como a distinção clássica entre o mundo da vida e o mundo da política, adotada também por seus interlocutores e objeto de reflexão de outros autores (Cf. JANSEN, 2015; PERES, 2020). A política, o internacional, os grandes acordos de paz e as guerras funcionariam, assim, na esfera da oficialização e demarcação das diferenças e de suas fronteiras administrativas e políticas. Em contraste, o mundo da vida contaria outras histórias, e somente nele é que deslocamentos e alocações de fronteiras e diferenças podem ser notados em suas coetaneidades.
Summa (2021) aponta também como disputas em torno de cartografias nacionais são comumente entendidas como as causas das guerras, e é em torno destas que se dão as resoluções dos conflitos. A demarcação territorial dos Estados, entretanto, se dá em concomitância à classificação das populações, com o intuito de administrar as diferenças e controlar e conhecer as gentes (Cf. ANDERSON, 2008; HIRSCH, 2005; e outros). A autora procura, assim, analisar como isso acontece no contexto específico da BiH pós-guerra, mas, digamos, no mundo da vida. Sua proposta metodológica reforça a ideia de que há um fazer e desfazer das fronteiras, das etnicidades e nacionalidades no cotidiano, e não apenas naquelas linhas de fronteira, mas em lugares também cotidianos.
A guerra na BiH entra aqui como exemplar. Ela se deu tanto com o objetivo de fundar e estabelecer fronteiras territoriais que fossem também étnicas/nacionais, como o acordo de paz – mediado por lideranças internacionais e assinado pelos líderes do conflito armado na Croácia, na Sérvia e na BiH – fundamentou-se na demarcação destas, estipulando onde terminam e começam as linhas de fronteira e a quem compete a administração dos territórios demarcados e de suas populações. Mas por que exemplar? Porque não obstante a natureza das fronteiras políticas traçadas pela guerra e pelo acordo de paz, a vida nas fronteiras é, por si só, subversiva – pois atravessa, nega, critica e desloca essas fronteiras. O caráter paradigmático da guerra na BiH, portanto, reside no fato de que, a partir dela, é possível falar tanto da reificação como do deslocamento das fronteiras e das ideias de fronteiras – daí justifica-se o olhar para o cotidiano, que revela justamente esses movimentos de atravessar, cortar, cruzar, subverter.
É essa a tese que Summa apresenta em seu trabalho: a homogeneização étnico-nacional, embora programa de Estado, nunca foi e nunca será alcançada completamente. A vida cotidiana é, assim, seguindo inspiração lefebvriana, reveladora de contradições que desafiam essa ordem e apontam para um mundo de novos possíveis, via subversão e superação.
O trabalho de Summa (2021) tece, portanto, uma crítica contundente às Relações Internacionais, na medida em que coloca em questão (e visa à análise sociológica) de alguns de seus conceitos fundamentais, tais como a noção de fronteira (boundary/border) e, por consequência, a própria cartografia internacional. Aqui, as fronteiras são tanto as reais como as prático-simbólicas que atravessam o dia a dia e se imbricam na vida e experiência das pessoas.
Cabe dizer, contudo, que quando tratamos de fronteiras traçadas na guerra e no acordo de paz na BiH, estas dizem respeito a um traçado interno do país, traduzido nas duas entidades, a Republika Srpska, já mencionada anteriormente, e a Federação da BiH[vii], uma de maioria sérvia, a outra de maioria bosníaco-croata, cujos representantes políticos são também (e necessariamente) representantes de um dos três grupos majoritários, havendo pouco espaço de representação política para as minorias. Trata-se, pois, de um sistema que cria exclusão e produz minorias do mesmo modo que visa instituir representatividade e direitos territoriais, políticos e nacionais.
Os lugares que Summa (2021) escolhe analisar são justamente aqueles que põem em questão essa ordem, mesmo sendo eles, a princípio, também lugares de fronteiras: é em torno do Bulevar, avenida que figurava como linha de frente durante a guerra em Mostar, separando o leste (bosníaco) de Mostar do oeste (croata); e é na fronteira entre Sarajevo e Sarajevo do Leste (Istočno Sarajevo) que ela trafega para observar lugares cotidianos de fluxos e convívio social.
É neste último espaço que me concentrarei. O capítulo em que ela desenvolve sua reflexão sobre essa zona de fronteira, oficialmente chamada IEBL (Inter-Entity Boundary Line), chama-se “Políticas de (i)mobilidade (ou práticas em torno de uma estação rodoviária)” (tradução minha). Ali, ela atravessa, junto com seus interlocutores, lugares cotidianos, infraestruturas urbanas (ausentes ou existentes), escolas, cafés, cabeleireiros e narrativas.
A IEBL localiza-se no bairro Dobrinja, que, tal como Sarajevo, esteve sob cerco durante a guerra. Com o acordo de paz, a linha de fronteira entre a Federação e a RS passou exatamente dentro deste bairro. Assim, a estação final de trólebus da cidade foi realocada uns 400 metros para continuar na parte de Sarajevo que ficou na Federação, sendo que sua antiga localização passou a ser o terminal rodoviário de Istočno Sarajevo/Lukavica.
Antes da leitura do livro, o que a autora aponta (corretamente) ser uma falta de infraestrutura urbana ligando uma estação a outra, para mim era um percurso normal a pé de uma parada de ônibus até a rodoviária. Como eu morava em Mojmilo, bairro vizinho de Dobrinja, todas as vezes que eu ia à RS ou a Belgrado, o fazia via Istočno Sarajevo, pois, além de ser muito próximo de casa, bem mais que a estação central da cidade, havia mais horários de ônibus para esses destinos. Eu tinha também uma amiga de Banja Luka, cuja mãe morava em Dobrinja do lado de lá, e fui algumas vezes encontrá-la ali. Como afirmei em outra parte (PERES, 2010, p. 298), o percurso do terminal final do trólebus até a estação de Istočno Sarajevo é feito basicamente por uma rua, em que tudo passava a estar escrito em cirílico e pessoas vendiam santinhos, incensos e velas em suas barraquinhas nas ruas, objetos que não se vê em Sarajevo, somente no interior das igrejas ortodoxas. Summa (2021) descreve essa passagem e essa fronteira inter-entidades como uma materialização da ordem espacial e sociopolítica de Dayton. A partir de relatos, ela também nos mostra que esse cruzar, embora algo difícil por alguns anos após Dayton, hoje é algo mais rotineiro e naturalizado.
Diversas vezes fiz o trajeto de Dobrinja/Sarajevo para Dobrinja/Istočno Sarajevo e vice-versa sem sentir o peso de uma fronteira étnica. Muitos que trabalham em Sarajevo também fazem esse percurso cotidianamente. Os táxis que peguei em 2007/2008, na primeira vez em que estive por lá, não pareciam estar atentos se precisavam ou não tirar a sinalização dos carros, como Summa (2021) afirma segundo relatos de alguns de seus interlocutores. Eles só reclamavam não saber como chegar aonde eu queria ir, já que toda a região de Lukavica e mesmo Pale (outra nova cidade da RS, vizinha a Sarajevo e que serviu de base militar e política do governo de guerra da RS durante o cerco a Sarajevo), eram basicamente áreas rurais e periféricas de Sarajevo, que cresceram durante e após o conflito armado, consolidando-se hoje como centros urbanos com universidade e estação rodoviária. Ou seja, áreas desconhecidas que cresceram como parte da nova entidade que então se desenvolvia. Não havia motivo que levasse meus taxistas até lá antes da guerra. O que quero dizer com isso é que a materialização é real, e a fronteira, antes de ser uma linha, refere-se à administração de gentes e territórios, de equipamentos urbanos, escolas e estações de ônibus.
Após tratar de traçados e de sua conjugação com os propósitos da guerra (limpeza étnica) e do Acordo de Dayton (que continuaram contando com trocas de população[viii]), Summa (2021) mergulha nas travessias. Fronteiras são demarcadas e desmarcadas no dia a dia, nas práticas cotidianas, no fluxo da vida. Onde está inscrita a desconexão, passa a ser o lugar de uma marcada conexão. Cafés, lojas, cabeleireiros, escolas, universidades – a zona de fronteira passa a ser, como afirma a autora, um lugar em que pessoas vivem, compram e se relacionam.
Mas nesses lugares do dia a dia também se performatizam fronteiras. No cabeleireiro, silencia-se sobre tópicos pesados (hard topics), como os referidos ao pertencimento étnico-nacional ou à guerra; as escolas continuam atraindo estudantes de determinado grupo, mesmo quando se dispõem a receber crianças e jovens de outros grupos[ix]. Não obstante, o foco da autora são as narrativas[x] dissonantes, aquelas que atravessam e deslocam a ordem nacional pós-guerra e embaçam fronteiras. Ou seja, é o jovem sérvio estudar na escola croata; é a cabeleireira sair de Dobrinja do leste para atender em Dobrinja do oeste; é o garoto que trafega entre as entidades, embora faça duas festas de aniversário, reafirmando assim as diferenças sobre as quais, em sua prática ele visa ignorar ou simplesmente diz não se importar.
Já escrevi em outras partes como a diferenciação nacional pode ser e é marcada de diversas formas na BiH. As narrativas suscitam um posicionamento, seja para dizer que sérvios, muçulmanos e croatas sempre viveram juntos, ou que sempre viveram juntos, mas separados. As narrativas também revelam posicionamentos contrários ou favoráveis a Dayton e suas premissas. Aqui, cabe destacar uma pesquisa da IPSOS realizada em 2011 (Summa, 2021, p. 140), que perguntava para sérvios e bosníacos da BIH acerca do destino da RS. A grande maioria dos bosníacos dizia querer o fim das entidades, ou seja, uma BiH una e indivisível – que, desde o início dos conflitos, se constituiu, ao menos retoricamente, como uma ameaça àqueles que temiam a própria minorização em um Estado de maioria muçulmana. Porém, se esse posicionamento pró-BiH reflete um anseio por um cosmopolitismo patriótico (Cf. APPIAH, 1998), em um Estado multinacional cuja lógica é a nacional, mesmo o multiculturalismo é capaz de produzir homogeneização, especificando quem é quem e que parte desse Estado cabe a cada um. Aqui, o caso do Distrito de Brčko é emblemático: diante da impossibilidade de sua divisão durante a guerra, o referido Distrito constituiu um experimento multiculturalista, no qual cada grupo deve ser respeitado em cada uma de suas diferenças, não sobrando espaço para quem quer que burle tais especificações (Cf. PERES, 2018).
Não obstante, especificações são borradas e burladas o tempo todo no cotidiano – como bem demonstra Summa (2021). Os assuntos sérios ou difíceis (nos termos da cabeleireira) são silenciados, ou jogados para o campo da política, das autoridades, diferentes das preocupações das pessoas comuns. Estas, com frequência, simplesmente vivem ou esquecem o “papel que devem seguir”, exceto quando são provocadas, quando sabem muito bem quem as expulsou, violentou ou matou durante a guerra, ou quando os deslocamentos no espaço e nos sentidos da própria experiência são marcados pelo ordenamento da guerra e de Dayton.
Talvez Summa seja mais otimista, e eu menos. A meu ver, enquanto cartografias territoriais/populacionais continuarem criando incluídos, excluídos e pessoas passíveis de serem “excluídas” em nome da paz e de uma ordem (inter)nacional, o cotidiano estará sempre marcado por essa sombra, impossível de ser esquecida ou ignorada. Como fica evidente no testemunho da cabeleireira, os silenciamentos revelam “conhecimentos venenosos”[xi] (DAS, 2007), ao mesmo tempo que tornam a convivência possível. Cruzamentos produzem outros segredos, como vimos no caso do estudante que faz duas festas de aniversário. Desse modo não é difícil entender por que a escola Osman Nuri Hadžić, na fronteira inter-entidades, não atraiu estudantes sérvios mesmo tendo seu nome escrito em cirílico na porta (Summa, 2021). Seguramente a escola segue o plano e programa educacional de Sarajevo e celebra feriados também da Federação. Além disso, se era desejável que fosse de fato uma escola de fronteira por que não manteve o nome “sérvio” que tinha antes da guerra?
Mas temos que concordar com Summa (2011). Fronteiras estão sendo cotidianamente demarcadas, desmontadas e remarcadas, mesmo que continuem sinalizando para um conflito latente que ainda não encontrou seu desfecho na BiH. A autora vê com otimismo este fato da BiH nunca ter sido o que fora previsto no desenho de Dayton[xii] (Summa, 2021, p. 224), dado ser impossível alcançar tanto a rigidez das fronteiras entre entidades e nas cidades, bem como a homogeneização étnico-nacional. A BiH é, assim, marcada pela incompletude de seu projetos nacionais e de seus planos para a paz – ou, nas palavras da autora, incompletude das fronteiras, dos lugares de fronteiras, das demarcações –, o que seria algo subversivamente concebido e que apontaria para a necessidade de instauração de uma ordem diferente daquela preconizada na guerra e na paz, pois uma ordem mais humana e plural. Esperemos que ela tenha razão.
Referências
Anderson, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Appiah, Kwame Anthony. Patriotas cosmopolitas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 13, v. 36, p. 79-94, fev. 1998.
BlagiĆ, Stefan. Bačanović dobio otkaz na FTV-u zbog Fejsbuk statusa o Sarajevu i RS!. Frontal, Banja Luka, 13 jul. 2016. Disponível em: <http://www.frontal.ba/novost/84276/bacanovic-dobio-otkaz-na-ftv-u-zbog-fejsbuk-statusa-o-sarajevu-i-rs>.
Das, Veena. Life and words: violence and the descent into the ordinary. Berkeley; Los Angeles: University of California, 2007.
Hirsch, Francine. Empire of nations: ethnographic knowledge and the making of the Soviet Union. Ithaca; London: Cornell University, 2005.
Jansen, Stef. Yearnings in the meantime: “Normal lives” and the state in a Sarajevo apartment complex. New York: Berghahn, 2015.
Moll, Nicolas. Fragmented memories in a fragmented country: memory competition and political identity-building in today’s Bosnia and Herzegovina. Nationalities Papers: The Journal of Nationalism and Ethnicity, v. 41, n. 6, p. 1-27, 2013.
Peres, Andréa Carolina Schvartz. Contando histórias: fixers em Sarajevo. Tese de Doutorado em Antropologia Social. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.
______. For Human Rights: Constructing the multinational Brčko District in Bosnia and Herzegovina.Vibrant, Virtual Braz. Anthr., Vol. 15, No. 3, 2018.
______. Vidas deslocadas e ausências: diferenças, narrativas e subjetividades em um contexto pós-guerra. In: PERES, A. et. alli. Diferenças em contextos plurais. Curitiba: UFPR, s.d. (no prelo)
SUMMA, Renata. Everyday boundaries, borders and post conflict societies. Cham: Palgrave Macmillan, 2021.
* Andréa Carolina Schvartz Peres é membro fundadora do grupo de estudos Leste Europeu em Movimento (LEEM). Desenvolve pesquisas nas áreas de antropologia e política, imprensa, literatura, pós-socialismo e conflito, especialmente na Bósnia e Herzegovina e na região da ex-Iugoslávia. Concluiu Mestrado e Doutorado em Antropologia Social na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: acsperes@gmail.com | Currículo Lattes
[i] A tradição antifascista anunciada por esse autor diz respeito especialmente a uma oposição ao nacionalismo, que o regime socialista combateu prendendo, reprimindo e expulsando seus advogados do país.
[ii] Summa define o termo “bósnio” em referência às pessoas que possuem cidadania da BiH (2021, p. 3). Cabe sublinhar, entretanto, que o termo aparece muitas vezes como adscrição também nacional, embora não reconhecido oficialmente como tal. A Constituição da BiH apenas reconhece grupos nacionais sérvio, bosníaco e croata, além de minorias diversas abarcadas na categoria “outros”, na qual estariam incluídos os bósnios.
[iii] A BiH é formada por duas entidades, a Republika Srpska e a Federação da BiH, além do Distrito de Brčko.
[iv] Sobre a instalação, ver: <http://saff.ba/instalacija-antidayton-pokreta-masovna-grobnica-ispred-bbi-centra-u-sarajevu/>. Ver também: <https://depo.ba/clanak/149473/masovna-grobnica-ispred-bbi-centra-postavljena-instalacija-u-obliku-republike-srpske>. Acesso em 20 abr. 2024.
[v] Vuk é um nome comum entre os sérvios. Na BiH, pelo nome e sobrenome geralmente é possível intuir se a pessoa é sérvia, croata ou bosníaca. Summa (2021) opta por trazer apenas as iniciais de seus interlocutores, seguramente para evitar que, de antemão, já coloquemos pessoas em categorias nacionais, prática bem comum no contexto bósnio pós-guerra.
[vi] Esses dados foram apresentados anteriormente em forma de paper na 2018 ASN European Conference, em Graz.
[vii] Há também o Distrito de Brčko, constituído por arbitragem internacional em 1999 como distrito multiétnico pertencente a ambas as entidades. Para votarem em eleições das entidades ou gerais da BiH, os cidadãos de Brčko devem declarar-se pertencentes a uma ou outra entidade.
[viii] Durante anos após a guerra, pessoas deixavam suas casas para morar na entidade que as representava. Assim, sérvios deixavam a Federação, bosníacos e croatas deixavam a RS, croatas deixavam a BiH ou cantões nos quais não perfaziam maioria. Isso sem mencionar outra prática frequente até os dias de hoje: o grande fluxo de jovens para fora da BiH. Cabe ainda mencionar que os classificados locais, além de incluírem venda e compra de imóveis, também incorporam a categoria “troca de imóveis”, que muitas vezes traduz esses deslocamentos de uma entidade (ou cantão) para outra.
[ix] Infelizmente a parte sobre escolas no capítulo não traz muitas informações acerca do ensino de fato em cada uma delas, que costuma seguir determinado plano educacional sensitivo aos grupos nacionais e específico a apenas um deles, dependendo do lugar/entidade/distrito/cantão em que se encontra.
[x] No Capítulo 4 do livro, Summa (2021) diz analisar “práticas cotidianas”. No Capítulo 5, afirma tratar de “narrativas cotidianas”. A meu ver, práticas não deixam de ser narrativas, e vice-versa; por isso, tomo a liberdade de utilizar o termo aqui.
[xi] Trabalhando com situações extremas em suas pesquisas (como as dos estupros ocorridos durante a Partição da Índia), Veena Das utiliza o termo poisonous knowledge para referir-se ao conhecimento que remete ao saber via sofrimento. O uso do termo também cabe aqui, pois é o silenciar sobre o sofrimento da guerra que torna possível o cotidiano/fluxo da vida pós-guerra.
[xii] O que, ao mesmo tempo, dificulta a entrada da BiH na União Europeia e torna as esperanças de uma vida melhor em termos socioeconômicos cada vez mais distantes.
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